Jatobá (Hymenaea stigonocarpa Mart. ex Hayne)

by 9/11/2020 09:53:00 AM 0 comentários

O jatobá é uma planta típica do Cerrado, com sabor e aroma bem marcantes. Em minhas andanças pelo Brasil, pude perceber que este fruto está intimamente ligado às memórias afetivas (algumas boas, outras nem tanto) de muitas pessoas. Há alguns anos, principalmente no sertão de Goiás e Minas Gerais, era comum as famílias usarem a farinha de jatobá para matar a fome. Ouvi vários relatos de que, muitas vezes, o jatobá era o único alimento disponível, o que associou o fruto à condição de pobreza extrema. Esse estigma o jatobá carrega até os dias de hoje, o que criou uma barreira para que as pessoas experimentem novos sabores regionais.

Na verdade, esse é um estigma que muitas frutas nativas carregam. Já ouvi essa mesma história com o jenipapo, a guabiroba e, até mesmo, com algumas hortaliças regionais. Mas essa barreira precisa ser quebrada para que as novas gerações possam experimentar essa riqueza de sabores. Permita-se experimentar de novo: são outros tempos, outra realidade e outras percepções. 

Jatobá-do-cerrado (Hymenaea stigonocarpa)

Descrição botânica: Da família Fabaceae, árvore com até 10 metros de altura, embora no Cerrado tenha porte mais baixo, com galhos e troncos retorcidos. Folhas alternas, caducas e de coloração verde escura quando adulta. Inflorescências terminais com até 30 flores, de coloração marrom clara e estames alongados. O fruto é do tipo legume, indeiscente (não se abre quando maduro), alongado, com casca dura e coloração inicialmente verde, passando para marrom quando maduro. A polpa farinácea tem coloração variando de creme a creme esverdeada, conforme a espécie e/ou variedade. 

Flor de jatobeira

É importante mencionar que existem, ao menos, 16 espécies de jatobás usados como alimento no Brasil (além de algumas variedades dentro das espécies), o que reflete a diversidade de frutos, coloração das farinhas e intensidade de aromas que podem ser explorados. No Cerrado existem duas espécies mais conhecidas: o jatobá-do-cerrado (Hymenaea stigonocarpa Mart. ex Hayne), que tem porte menor, ramos retorcidos, frutos maiores e é encontrado em áreas abertas. Já o jatobá-da-mata (Hymenaea courbaril L.) é caracterizado por árvores de maior porte, frutos menores e, como o próprio nome já diz, habita áreas de mata fechada próxima de cursos d’água. Ambas possuem frutos comestíveis e geralmente são vendidos nas feiras e mercados sem fazer distinção de quem é quem. 

Onde ocorre: Planta nativa, mas não endêmica do Brasil, ocorrendo no Cerrado e também em áreas da Caatinga. No Cerrado, ocorre em áreas abertas, conhecidas como campo cerrado e/ou campo sujo. 

Frutos verdes e maduros

Usos: A farinha de jatobá é um dos produtos mais conhecidos desta espécie. Ela pode ser produzida pela raspagem dos frutos maduros e secos. A farinha pode ser peneirada para eliminar o excesso de fibras e melhorar a palatabilidade. Se mantida em saco plástico em geladeira, pode se conservar por período superior a um ano, mantendo aroma e sabor originais. A farinha pode ser usada no preparo de mingaus, bolos, doces e uma infinidade de pratos. Pode ser usada pura ou misturada com farinha branca ou integral, o que ajuda a suavizar o sabor. A farinha de jatobá também pode ser adicionada à massa de brigadeiro branco, resultando um doce gourmet com sabor pra lá de especial. Biscoitos, sequilhos e salgadinhos com farinha de jatobá apresentaram boa aceitação em feiras de sabores no Brasil inteiro. A farinha ainda tem a vantagem de ser livre de glúten e rica em ferro, sendo um bom complemento alimentar e na dieta de pessoas com restrições alimentares. A resina do tronco, cascas dos ramos e as folhas são usadas na medicina popular. Existe uma extensa bibliografia sobre o uso medicinal da espécie, indo desde o consumo da farinha como tonificante até o uso ritualístico dos frutos na cura e equilíbrio energético. As árvores retorcidas são muito bonitas e podem ser usadas na arborização urbana. 

Pão integral com farinha de jatobá e castanha de baru

Aspectos agronômicos: A floração apresenta um período bem extenso, podendo se entender de outubro a abril, mas o forte da safra no cerrado goiano ocorre de agosto a novembro. Entretanto, esses períodos podem variar conforme a região e o clima local. As mudas podem ser feitas por sementes, germinadas logo após a colheita. A germinação ocorre entre 5 e 35 dias e pode chegar a 80%. No cerrado, observa-se o crescimentos das plantas em áreas de baixa fertilidade, o que permite inferir que o solo para a produção de mudas não necessita muita adubação, apenas que seja leve e bem permeável. Havendo possibilidade, é recomendável fazer a germinação em ambiente protegido, onde se pode controlar melhor a rega e a intensidade luminosa. 

Dicas e curiosidades: Alguma pessoas consideram que o jatobá tem cheiro de “chulé”, o que causa repulsa em muita gente. Minhas experiências culinárias (não sou especialista, mas gosto de experimentar) me mostraram que colocar a farinha no forno a temperatura de 180º C por uns 10 a 15 minutos, além de ajudar na conservação, suaviza o aroma. O aroma é dado por uma mistura de compostos voláteis presentes no fruto e que se degradam com o aquecimento, daí a funcionalidade da secagem em forno para melhorar o aroma e o sabor da farinha. A farinha de jatobá pode ser um curinga muita fácil de usar e que pode impressionar os comensais. Porém, é sempre de bom tom conhecer o paladar dos convidados e não exagerar no ingrediente, para não correr o risco de errar na opção. Experimente! 

Da esquerda para direita: fruto aberto e farinha pronta para consumo; produção artesanal da farinha; brigadeiro branco com farinha de jatobá; biscoitinhos de jatobá

Bibliografia recomendada 

Pinto, R.B.; Tozzi, A.M.G.A.; Mansano, V.F. Hymenaea in Flora do Brasil 2020 em construção. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. <http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/floradobrasil/FB83206>. 

Sano, S.M. et al. Hymenaea stigonocarpa (Jatobá-do-cerrado). IN: Vieira. R.F.; Camillo, J.; Coradin, L. Espécies nativas da flora brasileira de valor econômico atual ou potencial: plantas para o futuro: região Centro-Oeste. Brasília, DF: MMA, 2018. https://www.mma.gov.br/publicacoes/biodiversidade/category/54-agrobiodiversidade

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